terça-feira, 1 de setembro de 2009

LETRAMENTO, LEITURA E ESCRITA


Letramento
onde, como e por que foi criado este termo?

O vocábulo é um tanto quanto fora do comum para muitos profissionais da área da educação e, principalmente, para os acadêmicos desse setor. Há alguns anos,pode-se dizer que menos de vinte, esse vocábulo surgiu entre os linguistas e estudiosos da língua portuguesa, e então passou a ter veiculação no setor educacional.



Constatou-se que uma das primeiras menções feitas deste termo ocorreu em no mundo da escrita: uma perspectiva psicolingüística (1986) por Mary A. Kato, segundo Magda Soares (2003: 15). A mesma registra, nesta obra, que foram feitas buscas em dicionários da língua portuguesa quanto ao significado da palavra, no dicionário Aurélio, por exemplo, nada foi encontrado, bem como também, não foi encontrado o verbo “letrar”, porém, o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa de Caldas Aulete, com edição constando de mais de um século, contém o verbete com o simples significado de “escrita”. Ela ressalta, ainda, que no mesmo dicionário esse vocábulo é classificado como “antiquado”. Ora, logo, este termo caiu em desuso há bastante tempo em nossa língua. Então, por que este termo tem sido utilizado agora com certa freqüência nos campos educacionais e linguísticos?

Nos dicionários da língua portuguesa o termo alfabetizado diz respeito ao indivíduo que somente aprendeu a ler e escrever, não se diz que é o que adquiriu o estado ou condição de quem se apossou da leitura e da escrita, e que responde de maneira satisfatória as demandas das práticas sociais. Ainda, ampliando a abrangência da alfabetização, podemos analisá-la à medida que esta reproduz a “formação social existente, ou como um conjunto de práticas culturais que promove a mudança emancipadora” (DONALDO, 1990: 10).

Leda Verdiani Tfouni, em “Letramento e alfabetização” (1995), afirma que a alfabetização, por muitas vezes, está sendo mal entendida:

Há duas formas segundo as quais comumente se entende a alfabetização: ou como um processo de aquisição individual de habilidades requeridas para a leitura e escrita, ou como um processo de representação de objetos diversos, de naturezas diferentes. O mal-entendido que parece estar na base da primeira perspectiva é que a alfabetização é algo que chega a um fim, e pode, portanto, ser descrita sob a forma de objetivos instrucionais. Como processo que é parece-me antes que o que caracteriza a alfabetização é a sua incompletude.

Com isso, fica subentendido, pelo aspecto sociointeracionista, que a alfabetização do individuo, é algo que nunca será alcançado por completo, não há um ponto final. A realidade é que existe a extensão e a amplitude da alfabetização no educando, no que diz respeito às práticas sociais que envolvem a leitura e a escrita. Neste âmbito, muitos estudiosos discutem a necessidade de se transpor os rígidos conceitos estabelecidos sobre a alfabetização, e assim, considerá-la como a relação entre os educandos e o mundo, pois, este está em constante processo de transformação.


E o indivíduo para não ser atropelado e marginalizado pelas mudanças sociais deverá acompanhar, através da atualização individual, o processo que levará ao crescimento e desenvolvimento.


Não que o educando não tenha qualquer saber antes da alfabetização, pelo contrário, sabemos que todo indivíduo possui, de alguma forma, níveis de conhecimento. E, isto, foi muito bem discorrido por Paulo Freire:

O ato de ler e escrever deve começar a partir de uma compreensão muito abrangente do ato de ler o mundo, coisa que os seres humanos fazem antes de ler a palavra. Até mesmo historicamente, os seres humanos primeiro mudaram o mundo, depois revelaram o mundo e a seguir escreveram as palavras.

Esse é um ponto de suma importância para aqueles que pretendem despojar-se dos restritos, e incisivos, conceitos em que a alfabetização é estabelecida em termos mecânicos e funcionais.


Mas, afinal, por que e para que surgiu o que se denominou letramento?

Por todo o tempo em que já vivemos como uma sociedade grafocêntrica, tem-se conhecimento sobre a problemática da falta do saber ler e escrever. Com isso, gerou-se uma crescente preocupação em desenvolver um controle sobre essa questão, através de muitos estudos e ações com o objetivo de erradicar o problema, logo, foi preciso criar um termo e fazê-lo conhecido no campo da pesquisa, surgindo o “analfabetismo”. Mas, observou-se que para o estado / condição daquele que sabe ler e escrever, e, que responde de maneira ampla e satisfatória as demandas sociais fazendo uso de alguma maneira da leitura e escrita, ainda não havia uma denominação. Mais tarde, isso se fez necessário devido à constatação de uma nova situação: de que não basta apenas o saber ler e escrever, necessário é saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder às exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz. Então, o nome letramento surgiu mediante a esta nova constatação.

Quando fatos “novos” são constatados, ou surgem novas idéias à respeito de fenômenos, depara-se com a necessidade de se criar novos vocábulos ou nomes para se tratar com determinados assuntos (SOARES, 2003). Ou seja, freqüentes mudanças sociais geram novas demandas sociais de uso da leitura e da escrita, logo, gerando novos termos específicos.

O letramento é um fenômeno de cunho social, e salienta as características sócio-históricas ao se adquirir um sistema de escrita por um grupo social. Ele é o resultado da ação de ensinar e/ou de aprender a ler e escrever, e denota estado ou condição em que um indivíduo ou sociedade obtém como resultado de ter-se “apoderado” de um sistema de grafia.

Letramento e alfabetização - onde está a diferença?

A alfabetização, como já mencionamos, se ocupa da aquisição da escrita por um indivíduo, ou grupo. Enquanto o letramento “focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1995), e ainda, é o estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita. Um exemplo do que acabamos de mencionar (SOARES, 2003: 56-57):

Analfabetismo no primeiro mundo? (...) quando os jornais noticiam a preocupação com altos níveis de ‘analfabetismo’ em países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto,praticamente toda a população conclui o ensino fundamental (que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o número de pessoas que não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo, mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego – os níveis de letramento é que são baixos.

Há verificações de que a concepção de alfabetização também reflete diretamente no processo de letramento. Por outro lado, o que também se observa é que, com frequência, estes dois de maneira confusa têm sido fundidos como um só processo. Essa confusão implica no exercício de um e de outro. Pois, onde entra a alfabetização? E o letramento? Ou, se trabalham os dois simultaneamente?

Se afirmamos que a alfabetização é algo que não tem um ponto final, então dizemos que ela tem um continuum, e ainda, poderíamos dizer que este é o letramento. Com isto, acordamos que os dois processos andam de mãos dadas. Não queremos estabelecer uma ordem, ou seqüência, pois já defendemos que todo tipo de indivíduo possui algum grau de letramento, mesmo que seja mínimo.


O que pretendemos é incentivar o educador a fazer uso do conhecimento nato de mundo que o educando possui e sua relação com a língua escrita, assim ele poderá alfabetizar letrando.

Ao saber de algumas distinções básicas destes dois termos poderíamos, também, levantar questões sobre as desigualdades de alfabetizado para letrado. Uma nota no livro “Letramento: um tema em três gêneros” de Magda Soares (2003: 47) faz um apanhado, sobre o assunto, visto de uma maneira prática e real. O texto exemplifica como um adulto pode até ser analfabeto, contudo, pode ser letrado, ou seja, ele não aprendeu a ler e escrever, todavia, utiliza a escrita para escrever uma carta através de um outro indivíduo alfabetizado, um escriba, mas é necessário enfatizar que é o próprio analfabeto que dita o seu texto, logo, ele lança mão de todos os recursos necessários da língua para se comunicar, mesmo que tudo seja carregado de suas particularidades.

Ele demonstra com isso que conhece, de alguma forma, as estruturas e funções da escrita. O mesmo faz quando pede para alguém ler alguma carta que recebeu, ou texto que contém informações importantes para ele: seja uma notícia em um jornal; itinerário de transportes; placas; sinalizações diversas. Este indivíduo é analfabeto, não possui a tecnologia da decodificação dos signos, mas, ele possui um certo grau de letramento devido a sua experiência de vida em uma sociedade que é atravessada pela escrita, logo, este é letrado, porém não com plenitude.


Esse exemplo nos remete a outro, muito conhecido, que talvez não tenha sido percebido por quem assistiu, é a personagem de Fernanda Montenegro no filme “Central do Brasil” de Walter Salles, que fez uso de sua capacidade de ler e escrever uma profissão, a de “escriba”, já quase desconhecida, em que a personagem escrevia correspondências para pessoas analfabetas em troca de dinheiro. Os indivíduos que a usavam como ferramenta para se envolver em uma prática social, a de se corresponder, mesmo que indiretamente, utilizavam os códigos da escrita.E, de forma peculiar a sua condição eles demonstram possuir características de grupos letrados.

Ainda na nota de Magda Soares (2003: 47) eles também exemplificam o caso de uma criança que mesmo antes de estar em contato com a escolarização, e que não saiba ainda ler e escrever, porém, tem contato com livros, revistas, ouve histórias lidas por pessoas alfabetizadas, presencia a prática de leitura, ou de escrita, e a partir daí também se interessa por ler, mesmo que seja só encenação, criando seus próprios textos “lidos”, ela também pode ser considerada letrada.E ainda, há casos de indivíduos com variados níveis de escolarização e alfabetização que apresentam níveis baixíssimos de letramento, alguns “quase” nenhum. Estes, são capazes de ler e escrever, contudo, não possuem habilidades para práticas que envolvem a leitura e a escrita: não lêem revistas, jornais, informativos, manuais de instrução, livros diversos, receita do médico, bulas de remédios, ou seja, apresentam grandes dificuldades para interpretar textos lidos, como também podem não ser capazes de sequer escrever uma carta ou bilhete. Todavia, gostaríamos de destacar que nessa nota acima mencionada diz também que esse tipo de indivíduo pode ser uma pessoa alfabetizada, mas não é letrada; neste ponto divergimos, por acreditarmos que a possibilidade de uma pessoa possuir grau zero de letramento não exista, em se tratando deste viver em uma sociedade grafocêntrica.

Com tudo isso, há pelo menos uma constatação: existem diferentes tipos e níveis de letramento,e estão eles ligados às necessidades e exigências de uma sociedade e de cada indivíduo noseu meio social.


Sociedade letrada/iletrada- indivíduo letrado/iletrado


Há uma definição única e restrita quanto ao conceito de sociedade letrada/iletrada, bem como indivíduo letrado/iletrado?

Os dicionários da língua portuguesa definem os vocábulos letrado e iletrado, por exemplo, no dicionário Aurélio o verbete letrado é definido como “que ou quem é versado em letras; erudito”.No entanto, iletrado “que ou quem não tem conhecimentos literários; analfabeto ou quase”. Mediante essas definições percebemos que esses adjetivos não tem relação com o sentido do letramento, pelo qual estamos tratando. Os termos que, normalmente, são abordados em


trabalhos sobre o letramento não se assemelham ao dos dicionários, e ainda, tambémpoderíamos considerá-los como novos vocábulos.

 
O papel do educador no letramento como “professor-letrador”
Paulo Freire afirma que para o educador, o ato de aprender “é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito”. Esta constatação não está relacionada somente ao educando, pois sabemos que o educador tem que estar sempre adquirindo novos aprendizados, lançando-se a novos saberes, e isto, resulta em mudanças de


vários aspectos, como também, gera o enriquecimento tanto para o educador quanto para o educando, que com certeza lucrará com esse desenvolvimento. Então, necessário é que o educador atente-se para aquilo que é sumariamente importante na sua formação, ou seja, “o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática”, e, “quanto mais inquieta for uma pedagogia, mais crítica ela se tornará” (FREIRE, 1990). O mesmo afirma que a pedagogia se tornará crítica se for investigativa e menos certa de certezas, pois o ato de educar não é uma doação de conhecimento do professor aos educandos, nem transmissão de idéias, mesmo que estas sejam consideradas muito boas. Ao contrário, é uma contribuição no “processo de humanização”.

Processo este de fundamental papel no exercício de educador que acredita na construção de saberes e de conhecimentos para o desenvolvimento humano, e que para isso se torna um instrumento de cooperação para o crescimento dos seus educandos, levando-os a criar seus próprios conceitos e conhecimento.


O profissional de educação deve ser capaz de fazer sua interferência na realidade, o que certamente, gerará novos conhecimentos, e isto, é bem mais elevado do que simplesmente se enquadrar na mesma. Já mencionamos por várias vezes que o letramento é um fenômeno social; logo, essa intervenção que se faz necessária pode ser proporcionada por ele.Para o educador se tornar um “professor-letrador” necessário se faz que, primeiramente, obtenha informações a respeito do tema, as suas dimensões e, sobretudo, a sua aplicação. Essa última é desenvolvida através de pesquisas e investigação, que geram subsídios-suportes.

Entretanto, medrar subsídios para educadores é uma tarefa difícil de ser exercida, pois sabemos que alguns desses profissionais, num determinado momento, se colocam em uma posição quase inatingível, completos de suas certezas. Porém, se há mutações contínuas na sociedade contemporânea, e essas refletem em todos os setores, inclusive na escola, é lógico que a cristalização dos saberes do educador é um equívoco, pois o conhecimento nunca se completa, ou se finda, e o letramento é um exemplo claro disso.

Reconhecidamente, enfatizamos a importância da aplicação, ou a prática do letramento por parte do professor, e em análise, ainda não finalizada, destacamos alguns passos fundamentais para o desempenho do papel do “professor-letrador”:


1) investigar as práticas sociais que fazem parte do cotidiano do aluno, adequando-as à sala de aula e aos conteúdos a serem trabalhados;
2) Planejar suas ações visando ensinar para que serve a linguagem escrita e como o aluno poderá utilizá-la;
3) Desenvolver no aluno, através da leitura, interpretação e produção de diferentes gêneros de textos, habilidades de leitura e escrita que funcionem dentro da sociedade;
4) Incentivar o aluno a praticar socialmente a leitura e a escrita, de forma criativa, descobridora, crítica, autônoma e ativa, já que a linguagem é interação e, como tal, requer a participação transformadora dos sujeitos sociais que a utilizam;
5) Recognição, por parte do professor, implicando assim o reconhecimento daquilo que o educando já possui de conhecimento empírico, e respeitar, acima de tudo,esse conhecimento;


6) Não ser julgativo, mas desenvolver uma metodologia avaliativa com certa sensibilidade, atentando-se para a pluralidade de vozes, a variedade de discursos e linguagens diferentes;


7) Avaliar de forma individual, levando em consideração as peculiaridades de cada indivíduo;


8) Trabalhar a percepção de seu próprio valor e promover a auto-estima e a alegria de conviver e cooperar;

9) Ativar mais do que o intelecto em um ambiente de aprendizagem, ser professor-aprendiz tanto quanto os seus educandos; e


10) Reconhecer a importância do letramento, e abandonar os métodos de aprendizado repetitivo, baseados na descontextualização



Fonte: eduquenet.net/letramento.htm




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